Diariamente atendo pessoas cristãs e não cristãs com toda sorte de sofrimentos psíquicos: depressão, ansiedade, transtornos de personalidade, etc. Atendo mais cristãos e, apesar de contrário ao senso comum, estudos recentes têm demonstrado que a proporção de indivíduos com algum transtorno psiquiátrico é maior neste grupo. Tal fato pode provocar estranheza, pois é amplamente conhecido o papel protetor da religiosidade sobre a saúde mental. Como pode, então, uma coisa ser protetora e ao mesmo tempo aparentemente não proteger? Estaria o evangelho perdendo seu brilho? Teria Jesus menos poder agora no século XXI?
A verdade é que as igrejas tendem a apresentar um poder de atração enorme para pessoas sofridas e o sofrimento adoece. Nem todos possuem resiliência adequada para passar por agruras, dominá-las e saírem mais fortes. Muitas carregam traumas, culpas e ressentimentos por muito tempo. Encontram alívio e refrigério na Palavra, mas a memória, o ambiente e a incerteza da vida podem ser avassaladores.
Jesus morreu pelos nossos pecados, aleluia! Porém, nem sempre conseguimos lembrar disso. O velho homem, infelizmente, por mais sufocado que esteja, está sempre lá para resgatar os pecados passados, a vergonha e o medo. Sem perceber, esses sentimentos negativos abrem espaço pelo cérebro, não se sabe muitas vezes por onde. Lentamente se fortalecem e fazem o seu estrago: desanimam, angustiam e maltratam. Muitos passam anos nessa condição torturante, vivendo um verdadeiro inferno.
O inferno na nossa cultura
Interessante a lição desta semana começar falando sobre o Inferno de Dante. Escrito há 8 séculos, a obra que praticamente inaugurou o renascimento impactou a cultura da época de forma tão traumática que moldou a visão da cristandade sobre o inferno, perdurando até hoje. Mesmo que não o tenhamos lido: reino subterrâneo onde as almas sofrem os mais inusitados métodos de tortura e punição? Agradeça a Dante por tal visão! O poeta italiano resgatou elementos da mitologia grega sobre o Hades, amalgamou tudo isso com a já sincrética doutrina católica a respeito do inferno e voilá: um caldeirão de referências, verdadeiro prato cheio para a cultura pop de hoje que povoa desde mangás como os Cavaleiros do Zodíaco aos quadrinhos da Marvel e da DC, passando por filmes, videogames e livros. Até quem é cético duvida acreditando. Faz parte da nossa cultura.
Como a lição deixou claro, há dúzias de textos no Antigo e Novo Testamentos que desmontam como anti-bíblicas as crenças na imortalidade da alma e na consciência da alma após a morte. Um estudo bíblico feito com coração aberto resolve essa questão. Entretanto, é triste ver como o inferno que existe na mente das pessoas é ainda mais avassalador.
O inferno interno
Podemos não acreditar em um lugar físico onde as almas são punidas sem dó por um Deus irado, mas muitos constroem verdadeiros “Infernos de Dante” inconscientes em suas mentes, com círculos extremamente complexos e profundos de culpa e miséria onde Deus não chega. Alçapões e masmorras escuras onde o sol da justiça não brilha e a graça misericordiosa de Jesus não alcança!
É trágico como muitas vezes conceitos preciosos são aceitos apenas racionalmente. O indivíduo pode ficar anos convencido da redenção maravilhosa que há no sacrifício de Cristo, sem que isso realmente o faça se sentir perdoado, aceito e liberto. Existem padrões de comportamento que são incrustados de tal forma na nossa personalidade por episódios de negligência, violência ou abuso que é quase impossível se comportar de outra forma. Padrões de auto-rejeição e auto-punição, lutos mal resolvidos, arrependimentos e ressentimentos.
Faz parte do exercício de santificação diária do cristão o dominar esse velho homem, negando-lhe a nutrição mental necessária para florescer, direcionando o pensamento para coisas mais nobres e perfeitas, como diz Paulo em Filipenses 4:8. E não ache que terapia não tem nada a ver com isso. Tem sim! Um psicólogo cristão pode ser insubstituível nesse processo de desobstruir algumas dessas travas.
Não há por que sucumbir aos infernos internos. Deus não tem maior interesse em ver almas torturadas na própria psique do que teria em ver almas no lago de fogo. Nenhum dos dois tormentos é o seu propósito. Ele te oferece vida e vida em abundância (Jo 10:10).