A ideia de pintar o mês de setembro de amarelo seguiu o modelo de divulgação das campanhas do Outubro Rosa e Novembro Azul: conscientizar a sociedade a respeito de um problema de saúde pública prevalente através da exposição.
Hoje, não há mais como se dissociar a imagem de um prédio iluminado de rosa da luta contra o câncer de mama, por exemplo. Entretanto, ao contrário dos problemas de saúde contemplados pelo décimo e décimo primeiro mês, o suicídio não conta exatamente com uma estratégia eficiente de rastreamento.
A grande verdade é que suicídio ainda é um tema muito pouco estudado e compreendido e o motivo é óbvio: é simplesmente impossível realizar estudos nas pessoas que se suicidaram. Quantas realmente são? O que as levou a fazer isso? Quais eram suas motivações? Existe algum marcador biológico que preveja o risco?
Acaba que os pesquisadores precisam se contentar com os dados retroativos de prontuário ou de entrevistas com familiares de apenas uma pequena parcela dessas vítimas - dados que nem sempre existem ou são confiáveis É possível também estudar quem realizou tentativas, mas não obteve êxito. Porém, quem garante que o indivíduo que logrou o resultado tem os mesmos motivos ou problemas do que quem tenta e acaba não conseguindo?
Assim, seguimos diante de um grande mistério. O que se aceita é que os transtornos psíquicos devem estar por trás de tal comportamento pois metade dos indivíduos que cometeram suicídio apresentaram tentativas anteriores e estes indivíduos sabidamente sofriam de depressão, ansiedade, abuso de substâncias ou outro CID tradicionalmente coberto por psiquiatras.
Então, parece meio óbvio que devemos nos focar nesses indivíduos que estão sofrendo. Entretanto, há algo mal compreendido que claramente demonstra uma insuficiência das campanhas do Setembro Amarelo: uma olhada rápida nos dados oficiais do governo brasileiro, do Sistema de Informações sobre Mortalidade, o SIM, mostra um aumento progressivo e sustentável de 43% na taxa de incidência entre os anos 2010 e 2019 - não houve impacto da campanha lançada em 2015.
É ainda mais inquietante o dado encontrado por Oliveira e Colaboradores e publicado em 2020: a maior parte dos suicídios acontecem exatamente entre os meses de setembro e outubro. Por fim, outro estudo, publicado em 2021, demonstrou que o aumento observado na tendência de suicídios afetou particularmente a faixa etária entre os 15 e 29 anos - exatamente a faixa mais suscetível à influência de campanhas em redes sociais, justamente o caso do Setembro Amarelo.
Essa situação tem levado muitos pesquisadores a sugerir um certo “efeito contágio”, ou o que ficou conhecido como “efeito Werther” - uma alusão ao personagem de Goethe que se suicidou no romance “Os sofrimentos do jovem Werther” e teria inspirado uma onda de suicídio em homens jovens na Europa do século XVIII - Estariam os jovens se suicidando mais na última década por moda?
Parece bizarra tal relação, mas não podemos ignorar os dados. É tudo, no mínimo, estranho. Seria essa constatação um motivo para pararmos de falar sobre suicídio? Voltar a encarar o tema como tabu e fingir que ele não existe, para assim, talvez vermos ele sumir? Obviamente, não é essa a conclusão dos estudos acima, nem a deste autor. A grande dúvida, na verdade, é: estariam todos os profissionais de saúde preparados para ouvir e interpretar? Mesmo psiquiatras e psicólogos?
Ao longo dos meus 12 anos de experiência atendendo no Sistema Único de Saúde, pacientes de convênio e particulares, ensinando alunos de medicina nas universidades e, mais recentemente, na gestão, tenho recebido o feedback frequente das pessoas me dizendo como são mal atendidas e mal orientadas, como se sentem desamparadas e sozinhas, independente de onde estão. Comumente recebo as seguintes falas das pessoas: “doutor, nunca ninguém me escutou com tamanha paciência”, ou “puxa, geralmente os médicos só renovam meus remédios ou trocam, mas nunca ninguém parou e tentou entender de verdade o que eu estou sofrendo”.
Não basta apenas desenterrar o sofrimento e jogar uma luz amarela sobre ele. É necessário, acima de tudo, ouvir com empatia e conduzir os casos com expertise técnica.
Caro leitor, imagino que para você cair neste texto, provavelmente esteja ponderando sobre o tema ou seja familiar de alguém que tentou ou conseguiu o suicídio. Seja por um motivo ou outro, tenho certeza que você não deve estar bem e está precisando de ajuda. Embora você possa conseguir algum auxílio em bons livros de autoajuda e em boas palestras motivacionais perdidas aí pela web, tenho uma proposta pra você: O que você acha de conversarmos? Vamos aproveitar que todos estão falando sobre isso, mas te convido a dar um passo além. Vamos marcar uma consulta?
Te espero em breve no consultório ou numa videochamada! Até lá.
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